quando ela estava na barriga da mãe, os dias eram escuros como as noites. todos os sons soavam como o mar. o coração palpitante da mãe assemelhava-se às ondas que ela nunca vira e ela era ainda sem o ser. crescia no jardim do útero da mãe. a única flor que o jardim algum dia traria à vida. e não havia nada por dizer ao mundo, pois as palavras não eram conhecidas. comunicava só com quem a transportava. pontapeava-a por dentro, mas amava-a. e não havia mais ninguém para amar.
quando a chuva caía lá fora, a espinha dela tremelicava, apesar de não a sentir. mas vivia na gruta e pisava chão húmido, com pés finos como folhas de papel. a pele era transparente e a cabeça não tinha um único cabelo escuro. mas o peito oscilava a cada respiração e o coração batia-lhe, mais baixo do que o da mãe.
agora que se encontra cá fora, o coração bate-lhe vigoroso, mas o sangue é-lhe sugado pelos insectos.